Jorge Santos
Jorge Santos
Parece mentira, mas não é! O senhor padre Isildo, pároco da freguesia da Serra de Água, participou na Segunda Corrida de Carros de Pau, uma prova organizada pela Casa do Povo da Serra de Água.
A iniciativa, decorrida no passado dia 10 de junho, colocou em prova diversos modelos de carrinhos tradicionais, típicos das zonas rurais da Madeira, num percurso bastante inclinado, desde a zona alta da Encumeada até ao centro da freguesia, juntando pilotos de diferentes idades.
E a prova foi um sucesso, tanto para os concorrentes, como para aqueles que atravessaram o vale para presenciar as façanhas automobilísticas dos participantes, numa descida espetacular, com velocidades vertiginosas por entre curvas e contracurvas. Brilharam os engenhosos carrinhos de pau, alguns construídos propositadamente para o evento, outros reconstruídos como se fossem verdadeiras obras de arte. Sobressaíram os condutores, cada um procurando ser mais rápido do que o outro. Não faltaram “drifts”, amolgadelas, travagens bruscas, piões e quedas nas valetas.
Esta aventura transportou-me nostalgicamente para a minha infância, para os tempos em que também eu descia a estrada em velocidade furiosa. Recordei os momentos de outrora em que cortava pneus para fazer as rodas, que procurava tábuas para os assentos e as dobradiças velhas para os pedais do travão. E vieram à memória os carros destruídos pelos embates, as calças rasgadas no fundo do cu, e os joelhos esfolados com feridas sobre cicatrizes.
Recordo especialmente um desses carrinhos que partilhei com o meu irmão. Construído pelo Mestre Jorge, ferreiro de profissão, meu avô. Tinha uma estrutura de ferro que o distinguia dos outros. Mais resistente, era o mercedes das redondezas, oferecido em troca das muitas tardes que passávamos a dar a manivela à “pedra de picar foices”.
Incontáveis as vezes que a reboque dos camiões, à boleia ou com o carrinho às costas, subíamos por veredas até à Encumeada, para depois gozar aquele efémero prazer de descer estrada abaixo, desafiando os veículos com motor. Não sei se pela adrenalina, entusiasmo ou simplesmente competição entre amigos. Mas havia sempre motivo para o desafio de uma nova descida, mesmo com alguns “esfregões” pelo meio, nos cotovelos e joelhos.
Esta mesma saudade e a vontade de transmitir aos mais novos as tradições da nossa infância fomentaram a participação na prova. Mais concorrentes. Veículos mais trabalhados. Os mais novos optaram pelos “trikes”. Outros escolheram os tradicionais carros de pau. E foram realmente muitos! Até o senhor padre deu um ar da sua graça. Despiu a batina e colocou o capacete. E, como bom pastor, juntou-se ao rebanho. Participou e encantou os que ao longo da estrada observavam a passagem das máquinas e a perícia dos condutores.
De entre os muitos fantásticos carros participantes nesta corrida, não posso deixar de destacar alguns que são uma verdadeira obra de arte: o camião “SERAFIM” e o carro “Bruno e Santiago – Mestre Ramos”. Outros não tão engenhosos, mas mais rápidos como o dos irmãos Litos e Samuel. A finalizar, o que transportou o senhor vigário, o último a chegar à meta. Porque mais vale chegar atrasado nesta vida do que adiantado na outra.
Parece o Rally Vinho Madeira! Foi uma das expressões que ouvi. Na realidade, faltou um pouco para o ser. Um pouco mais de velocidade, que entusiamo houve e sobrou. Até a Sr.ª Agostinha do Jorge cantava: Pó, pó, pó / ai, ai, ai / pó, pó, pó / de carrinho tudo vai!