Jorge Santos
Jorge Santos
A intempérie de 20 de Fevereiro de 2010 aconteceu há oito anos, mas parece ter ocorrido há dias. Na verdade, o tempo passa tão rapidamente. Com naturalidade, podemos perguntar: daqui a quantos anos poderá votar a acontecer uma nova aluvião?
Raimundo Quintal, referindo-se ao termo aluvião, afirma que “quando uma nuvem do tipo cúmulo-nimbo provoca um violento aguaceiro sobre uma área restrita, ou quando uma tromba de água descarrega todo o seu conteúdo, geram-se de imediato fortes caudais capazes de arrastar volumosos detritos sólidos. Árvores, blocos rochosos, terrenos agrícolas, tudo é arrancado e transportado pelas águas em correria louca vale abaixo até ao mar. Eis que o leito da ribeira se estreita ou um qualquer obstáculo se interpõe no caminho: a água abandona velozmente a secção que lhe tinham destinado e invade as casas, rouba-lhes os habitantes. É a morte, a tragédia. Mais uma aluvião.”
E a pergunta torna-se pertinente. Quando poderá acontecer novamente outra catástrofe semelhante?
Com a calamidade na memória e sem atitudes alarmistas, temos de nos consciencializar que estes fenómenos são naturais, completamente fora do controlo humano. Tal como já ocorreu no passado, com as alterações climáticas em todo o planeta, associadas à orografia da ilha, certamente outras hecatombes ocorrerão na nossa terra. E cada dia que passa é um dia mais próximo do perigo iminente.
Um pouco por toda a nossa ilha há relatos de memórias destes acontecimentos, com enormes perdas humanas. Destaco a aluvião de 1803 em que, segundo dados históricos, poderão ter perdido a vida cerca de mil pessoas, a maior parte delas no Funchal.
O temporal de 20 de Fevereiro de 2010 ficará para sempre na história da Serra de Água. Outros passaram pela freguesia num passado não muito distante e deixaram marcas profundas. Há quarenta e oito anos, mais precisamente no dia 9 de Janeiro de 1970, uma enorme aluvião abateu-se sobre a nossa terra, provocando a morte a quatro pessoas, entre elas um familiar meu. Quarenta anos volvidos, a mesma fatalidade, de maiores dimensões para uma freguesia tão pequena. Sem mortes a lamentar, deixou um enorme rasto de destruição. Casas destruídas e pessoas inquietas, traumatizadas para a vida inteira.
Numa terra de relevo montanhoso, com descidas quase verticais desde o cume da montanha até às profundezas do vale, de solos despidos pelos incêndios de verão, de terrenos incultos, o risco de deslizamento de terras é acentuado. O caudal das águas desce ferozmente montanha abaixo, arrasta consigo todos os detritos que surgem pelo percurso, transborda lanços e levadas e destrói com a sua força impiedosa o trabalho do homem.
Hoje muitas obras de reconstrução foram realizadas no concelho e na freguesia. Acompanhei-as de perto, com sacrifício e empenho. Reconheço esse trabalho. No entanto, constato que ainda falta muita coisa para fazer: reconstruir e educar.
A recente canalização dos principais cursos de água da nossa terra transmite-nos maior sensação de segurança. Contudo ainda existem alguns pontos críticos, devidamente sinalizados que merecem a atenção das entidades competentes.
Outras medidas devem ser tomadas com urgência: a limpeza dos terrenos e das levadas e a reflorestação das encostas com espécies endémicas da Laurissilva, garantindo maior retenção de água e fixação dos solos. O respeito pela natureza e a preservação dos recursos naturais é uma responsabilidade e um dever de todos. A incúria humana é geradora de destruição.
Impedir as catástrofes naturais não compete ao homem, mas evitar males maiores está nas mãos de cada um. Mais vale prevenir que remediar. E não deixar esquecer…