Rogério Gouveia Fernandes
Rogério Gouveia Fernandes
A Igreja manifestou-se finalmente quanto aos clássicos comícios pós-eucaristia nos adros dos edifícios religiosos (com ruidosos megafones, grandes ajuntamentos e enorme aparato). Não os apoia mas também não os proíbe, mas pede encarecidamente aos candidatos que se abstenham de o fazer, vá. Por obséquio.
Ao menos assume uma posição mais vincada e menos subserviente, depois de décadas a anunciar do cimo do altar a agenda de determinados candidatos e a assumir posições políticas sem qualquer tipo de pudores ou pruridos.
Ainda assim tenho saudades dos tempos de infância em que esta era uma prática comum. Depois de um benzer atabalhoado e já no exterior do templo religioso, esbarrava com uns tipos mais simpáticos que o habitual a distribuir brindes, cumprimentos e sorrisos, numa espécie de natal antecipado.
Para mim, e naquela altura, o adro assemelhava-se mesmo a um campo de batalha dissimulado, onde se começava a travar uma guerra que se estendia até ao dia das votações. Tudo isto causando algum mau estar às minorias (partidárias, claro está), que teriam muito poucas hipóteses de retaliar e que seriam facilmente dizimadas. Assim pensava eu do alto dos meus 10 anos (se tanto), e influenciado pelos fulminantes westerns americanos (muito mais interessantes e complexos que os direitos de antena, espaços noticiosos ou debates eleitorais).
Os cowboys de laranja ganhavam sempre, e isso foi algo que desde muito cedo interiorizei. Não raras as vezes, e ao me abordarem, evocavam até o nome dos meus pais, que supostamente teriam de votar num fulano qualquer e tal, mas nunca me explicavam bem porquê. Como se o pensamento crítico valesse muito pouco e pudesse ser comprado com um boné de tamanho único ou com uma caneta rasca que mal escrevia. Mas é óbvio que eu tinha um preço e não me deixava levar assim tão facilmente. E só com uma t-shirt ou duas (sem tamanho específico) é que convenceria os meus pais a votar naquele “xerife” gordo, de papada e cabelo ralo. Felizmente estes atendiam prontamente às minhas reivindicações e tornava-me assim num devoto menor e pouco informado daquela espécie de religião, com um chefe espiritual estranho e com um discurso separatista e pouco católico.
Das palavras pausadas e em altos decibéis, retinha apenas as siglas do partido, que eram repetidas até à exaustão e como grito de guerra, em coro e sintonia e tão desafinado quanto possível.
Aos outros partidos (que não passavam dos “outros” naquela altura), lembro-me de admirar a coragem para enfrentar aquela máquina partidária bem oleada. Pena era terem uns brindes reles ou raramente aparecerem em número relevante e com um stock razoável, porque senão não teria qualquer problema em passar para o outro lado da barricada. Era um puto influenciável, sem grandes convicções e demasiado materialista.
Os tempos mudaram, é certo. Mas algumas décadas depois ainda noto o mesmo entusiasmo que eu tinha em criança espelhado em alguns adultos, para os quais pouco interessará o discurso ou programa político. Preferem fazer parte da equipa que vence, independentemente de se posicionarem mais à direita, mais à esquerda, ou mais ao centro. Numa espécie de clubite aguda, cega e irracional e baseadas em interesses e favorzinhos.
Desta vez os partidos mais pequenos assumem-se mesmo como fiéis da balança, maria-vai-com-as-outras ou cata-ventos, e acabam assim por assumir um relevo e dinâmica que não possuíam.
No fim ganham (quase) todos: enterra-se o machado da guerra e fuma-se o cachimbo da paz. E num plot twist épico e improvável, os índios casam-se com cowboys; arranjam-se mais “jobs for the boys” e continua a “coboiada”.