É manhã de sol em São Vicente, o intenso movimento de turistas na renovada marginal e de residentes em redor do supermercado que ainda cheira a novo, contrasta com o sossego, quase bucólico, à medida que se sobe na encosta e se afasta do centro da freguesia/vila que é também sede de concelho. E não é preciso percorrer muito da antiga estrada regional, agora municipal, para se perceber que há por ali uma espécie de dois mundos.
A presença de forasteiros, os que se hospedam nas unidades hoteleiras e de alojamento local e os que estão de passagem nos inúmeros carros de aluguer que enchem os parques de estacionamento, ajudam a disfarçar a falta de população jovem. Vítor Pereira, que não é vicentino de nascimento mas é, com certeza, de coração, atestado pelos quase 50 anos a viver na localidade, reconhece que esse é um problema. “Falta gente em São Vicente, que movimente e faça consumo”, considera, lembrando que os jovens “vão estudar fora e a maioria já não volta”. Em contraponto, ajudando a compensar essa perda de população, “temos já algumas infra-estruturas turísticas, alguma restauração associada (…) muito alojamento local, acho que nesse aspecto estamos bem”, expressa, aproveitando para ‘revelar’ a nova atracção turística da zona: “A Levada do Rodrigues parece que virou moda, agora de manhã quando passámos por lá, havia mais de 20 carros parados e pessoal a circular.” O bancário reformado reconhece que a freguesia evoluiu muito ao longo dos quase 50 anos em que ali habita, no entanto diz que há muitas coisas por fazer. Por exemplo, “a estrada das Ginjas, malfadada, já aberta há 50 anos e que continua em terra batida, que não há quem suba de carro”, criticando igualmente a exiguidade das estradas agrícolas, onde não conseguem cruzar dois carros.
A intervenção na frente-mar também não lhe ‘caiu no goto’. “A muralha devia ter avançado mais dez metros em direcção ao mar, porque assim perdemos espaço de estacionamento, perdemos a oportunidade para fazer uma marginal em condições, com árvores, com bancos para o pessoal descansar e a conseguir ver o mar… agora não se consegue, senta-se numa esplanada e não se vê o mar, só um muro de betão”.
Vítor Pereira também não gosta da forma como se tratam os resíduos. “Trabalha-se muito mal o lixo, na freguesia e no concelho, as pessoas espalham lixo por tudo quanto é sítio”, vinca, numa clara crítica social, extensiva aos poucos cuidados dispensados aos miradouros, alguns dos quais “estão ao abandono”.
Ao café onde Vítor Pereira estava com a esposa e o filho, chega Jorge Martins.
Veterinário de profissão, estabeleceu-se em São Vicente há 15 anos e mesmo vivendo no Funchal, desloca-se todos os dias para a sua clínica no Norte da ilha. “Já sou daqui”, aclara, explicando que a sua ida para São Vicente acontece por “uma questão de estratégia de mercado, porque era uma zona muito carenciada, tanto em termos de pequenos animais, como de grandes animais”.
Mesmo sendo de fora, não lhe escapa a evolução que a freguesia nortenha revela, até mesmo na sua área profissional. “As pessoas estão muito mais preparadas do que antigamente, no sentido do bem-estar animal (…) antigamente havia animais envenenados todas as semanas, hoje é extremamente raro”, refere com o orgulho de quem ajudou a mudar mentalidades.
Quanto ao resto, regista com agrado que as pessoas “já vêm à praia e já vêm almoçar a Norte”, atribuindo essa mudança “ao encurtar das distâncias com as vias rápidas”. Além disso, “a abertura do supermercado de grandes dimensões vem dar um ‘a porte’ bastante grande”, não só a São Vicente, mas a toda a região Norte.
A sair do referido supermercado encontrámos Carla Santos. Esteve emigrada, regressando há cinco anos à terra que a viu nascer. “Gosto muito de São Vicente, nasci aqui, estive muito anos fora, mas não escolhia outro lugar para morar”, expressa, sentenciando: “São Vicente já está ficando uma cidade (…), muito movimento, muito turismo, não se compara a 20 ou 30 anos atrás.”
Congratula-se com a abertura do novo supermercado, lembrando que dantes, “semana sim, semana não, tinha de ir à Ribeira Brava”. “Aqui fica mais pertinho, em cinco minutos estou aqui, foi muito bom”, reforça.
No plano oposto, admite que “falta fazer mais casas para as pessoas, havia muitas mas foi tudo para alojamento local”, lamentando também a escassez de jovens na freguesia. “Vão tirar um curso superior e [só voltam] se tiverem um bom padrinho que lhes arranje um bom trabalho”, refere entre sorrisos.