Sónia Perneta
Sónia Perneta
A medicina tradicional é o conhecimento técnico e os procedimentos baseados nas teorias, crenças e nas experiências de diferentes culturas. Explicáveis ou não pela ciência, a sua maioria é utilizada para prevenção, diagnose e tratamento de doenças físicas e mentais.
Noutros tempos as pessoas não procuravam médicos quando se sentiam doentes.
Uma ida ao hospital ou ao médico só acontecia em casos de maior gravidade. Feridas, febres, constipações e outras maleitas eram curadas em casa, com segredos que provinham dos nossos antepassados. Ervas, massagens e rezas faziam parte da cura.
O chá de macela, de erva-doce ou de funcho aromatizava a casa toda. Ajudavam nas dores de barriga, nas constipações. Deixavam no ar um aroma doce, cheio de aconchego.
Pior quando chegavam as receitas mais drásticas. Chá de casca de cebola e azeite de louro também faziam parte dos tratamentos. Deixavam um sabor amargo na boca. A solução para o odor era tapar o nariz.
Em Santo António haviam os “especialistas” nesta área. As massagistas, as curandeiras contra o “mau-olhado”. As quedas e mazelas eram tratadas com massagens dadas por quem sabia. As famosas ventosas que deixavam marcas no corpo durante horas. Nestes casos deslocávamo-nos à casa da senhora Y ou X que sabia tratar daquela dor. Lembro-me de ir a uma dessas senhoras famosas na freguesia. Já com idade avançada recebeu-nos num pequeno quarto, onde abundavam santos e velas. Deitaram-me num divã para tratar uma costela. Durante uma hora a velha senhora incendiava uma bola de algodão embebida em álcool, dentro de um copo e colocava-o na zona magoada. Dizia que era para voltar a puxar a costela para o seu devido lugar. Voltei lá por mais uma ou duas vezes. Não me recordo muito bem. Ficou-me a lembrança daqueles círculos desenhados no corpo.
As curas contra o mau-olhado também tratavam algumas maleitas. Os pequenos galhos de alecrim, entrelaçados em forma de cruz e o murmurar de uma reza que quase nunca entendia, resolvia tantas coisas.
Para os mais pequeninos, quando não queriam comer, diziam que tinham o “bucho virado”. Nada que uma boa massagem na zona abdominal, com azeite ou óleo de cozinha não resolvesse. Depois da massagem a zona abdominal era coberta com uma folha de couve e um bocado de lençol branco ou com uma velha fralda de pano.
Tinha de ficar quieta algum tempo para que o tratamento funcionasse. Hoje acredito que era a forma de dar algum sossego à minha mãe.
Andava, corria e brincava descalça, como muitas crianças da minha época. Feridas nos pés, pequenos cortes e mesmo alguns pregos ferrugentos que nos marcavam eram limpos com limão. O resultado era meia hora aos saltos e gritos. No dia seguinte estava tudo curado, sem marcas ou cicatrizes. Os “galos” na testa eram tratados com sabão azul e pressionados com uma faca de cozinha. Desapareciam um ou dois dias depois.
Havia também um dentista em Santo António. Um jovem padre, que dava as suas consultas na Casa de Saúde São João de Deus (Trapiche). Cheguei a lá ir, tirar um dente que se recusava a cair sozinho. Acho que o jovem padre não sabia o que era anestesia. Havia uma recompensa para aquela dor inesquecível. Comíamos um gelado que nos abrandava o choro e ajudava a estancar o sangue.
Atualmente continuamos a usar algumas destas práticas. Os conhecimentos e sabedoria dos nossos antepassados ainda estão presentes no nosso quotidiano quando fazemos um simples chá de limão, ou quando tomamos uma colher de mel de abelha. Práticas que certamente continuarão a passar de geração em geração curando pequenas dores ou outro tipo de mal-estar ou doença sem gravidade.