Jorge Santos
Jorge Santos
As visitas do Divino Espírito Santo, iniciadas no Domingo de Pentecostes, são sempre especiais para as famílias da nossa freguesia. Um momento de encontro em que o religioso e o profano convivem lado a lado.
Desde os tempos da minha infância, esta tradição religiosa foi sempre aguardada com enorme expectativa. Lembro-me com alguma nostalgia dos preparativos. A limpeza da casa, com as janelas abertas para entrar o sol primaveril, a toalha branca bordada à mão pela minha mãe a secar no estendal para ser usada em ocasiões especiais. E a limpeza da vereda, desde a casa do vizinho de baixo até à da minha tia, cinco metros mais acima. Matava-se a galinha mais gorda, amassava-se o pão de casa e cozia-se o bolo que o senhor padre haveria de abençoar e comer na visita pascal. A noite da véspera era mal dormida. A ansiedade era enorme.
O dia da festa começava ainda o sol não tinha nascido. Acordávamos cedo e íamos à missa. Acompanhávamos as saloias à saída da Igreja. Depois eram as visitas de casa em casa, às dos familiares e às dos vizinhos, numa prova de broas e bolos e um copo de laranjada para matar a sede. Ao almoço, a família juntava-se à volta da mesa farta que, nesse dia, o Espírito Santo afastava a miséria da barriga.
Ao som do machete, do acordeão e das vozes inocentes das saloias, entrava a bandeira e o pendão, dando a beijar as insígnias do Espírito Santo. Atrás, o festeiro, com a salva na mão, recolhia as ofertas. Colocava-a sobre a cabeça das crianças, purificando-as para que crescessem com juízo. Acompanhava-os uma criança com a caldeira da água benta. O pároco rezava uma oração e abençoava a casa. Lugares havia onde era costume levar um saco para recolher o trigo. As famílias mais carenciadas ofereciam cereais que depois eram vendidos, revertendo o dinheiro para a igreja.
À tardinha havia a receção do festeiro na igreja, com nova missa, mas com outro entusiasmo. A festa só repetir-se-ia no ano seguinte.
Cada freguesia tem as suas tradições e características próprias. Por isso, não se pode dizer que a nossa é melhor que as outras. Cada uma é especial e única. Da diversidade nasce a riqueza.
Hoje mantém-se o hábito de ir à casa dos pais, de visitar os amigos e recebê-los em nossa casa. Contudo, a vertente religiosa não é vivida como no passado. O progresso alterou as vivências. O comodismo trouxe a indiferença. E o copo de laranjada com a fatia de bolo já não são tão aguardados como antigamente.
Na nossa paróquia, ainda se lançam pétalas de rosa pela casa. Pede-se proteção para a “senhora casada”, o “senhor ausente” e o “anjinho do céu”. E roga-se que “as portas do céu se abram para entrar quem já morreu”. Petisca-se um dentinho, regado com vinho seco. E, sempre alegre e bem-disposto, o Senhor Padre conversa com todos, distribui afetos, partilha sorrisos e faz questão de registar o momento, em foto de família, para mais tarde recordar e matar as saudades, através das novas tecnologias, dos paroquianos espalhados pelo mundo.
Concluídas as orações e os despiques, os primeiros a entrar vão saindo com destino à próxima casa. As saloias agradecem as ofertas. Ouvem-se os últimos acordes. E o Divino Espírito Santo “já daqui se vai embora”. Terminou o momento devoto, mas o convívio familiar continua até ao anoitecer. Para o ano virá novamente “tirar a sua esmola”.
Termino, aproveitando para convidar todos os madeirenses a participar na festa de encerramento, com muito convívio, música e animação, que se realizará na Encumeada, no próximo dia 20 de maio, com uma missa agendada para as 12:00 horas e a descida em romaria, acompanhada do pároco da nossa terra, para o centro da freguesia. Com o máximo de respeito por todos aqueles que participam nestas visitas, pergunto: podiam as visitas do Espirito Santo serem as mesmas sem a presença do Senhor Padre? Sim podiam! Mas não seria a mesma coisa.
Que o “Espírito da Verdade, enviado pelo Pai, no fogo da caridade, nossas almas abrasai”.